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O AMIGO IMMORTAL

J. Krishnamurti

1928

Com o português da época

 

PELO MESMO AUTOR

Aos pés do Mestre

Por Qual Autoridade

O reino da Felicidade

O Caminho

O lago da Sabedoria

Auto-Preparação

Palestras no Templo

Quem traz a Verdade?

 

I

Para onde quer que eu olhe, ahi estás.

Sou cheio de Tua glória

Ardo com a Tua Felicidade.

Choro por todos os homens

Que Te não contemplam.

Por que modo

Lhes mostrarei eu,

A Tua glória?

 

Sentei-me a sonhar em logar de grande silêncio,

A madrugada era tranquila e sem sopros,

As grandes montanhas azues erguiam-se contra os céus frios e claros,

Rodeando a casa de maneira escura

Pássaros áureos e negros

Davam boas-vindas ao Sol.

 

Sentei-me sobre o solo, pernas em cruz, meditando

Esquecido das montanhas azues ensolaradas,

Dos pássaros,

Do silêncio imenso

E do sol doirado.

 

Perdi o sentimento do meu corpo,

Membros imóveis,

Afrouxados e em paz.

 

Uma grande alegria, de insondável profundeza, me enchia o coração.

Ardente e aguda, eu tinha a mente, concentrada,

Perdido o mundo transitório,

Estava cheio de força.

 

Como a brisa Oriental,

Que vem súbito ao ser,

E acalma o mundo fatigado,

Alli, defronte a mim,

Pernas em cruz, sentado, qual o mundo O conhece,

Em Sua veste amarella, simples e magnífica,

Estava o Mestre dos Mestres.

 

Contemplando-me,

Imóvel, o Ser Potente, sentara-se:

Contempleio-O e curvei a minha fronte,

O meu corpo dobrou-se sobre si.

 

 

Esse único olhar

Mostrou o progresso do mundo,

Mostrou a distância immensa que entre o mundo há

E o maior de seus Instructores.

 

Quão pouco O comprehendeu

E quanto Elle lhe deu.

Com que jubilo Elle se arrojou

Escapando ao nascimento e á morte,

A’ sua tyrannia e roda embaraçante.

A iluminação attingida,

Deu Elle ao mundo como a flor dá

Seu aroma,

A Verdade.

 

Enquanto eu contemplava

Os pés sagrados que outrora palmilharam

O pó feliz da India,

Meu coração derramou-se em devoção,

Illimitada, insondável,

Sem refreio nem esforço.

A mim mesmo perdi nessa felicidade.

Minha mente, que estranha e facilmente

Comprehendia a verdade

Pela qual anciara e attingira.

A mim mesmo perdi nessa felicidade.

A minhalma alcaçara a singeleza infinita

Da Verdade.

A mim mesmo perdi nessa felicidade.

 

Tu és a Verdade,

Tu és a Lei,

Tu és o Refúgio,

Tu és o Guia,

O Companheiro e o Bem Amado.

Meu coração arrebataste,

Conquistaste a minhalma,

Em Ti achei meu conforto,

Em Ti minha Verdade está firmada.

 

Por onde palmilhaste,

Seguirei.

Onde soffreste e venceste,

Haurirei minha força.

Onde Tu renunciaste,

Crescerei,

Sem paixão, em desapego.

 

Semelhante ás estrellas

Me tornei.

Feliz quem Te conhece

Eternamente.

Como o oceano, insondável,

E’ o meu amor.

Attingi a Verdade,

E a calma cresce em meu espírito.

 

Porém hontem,

Anciei por afastar-me

Do mundo dolorido

Para algum logar recluso da montanha,

Sem estorvos,

Liberto,

Longe de tudo,

Em Tua busca.

E agora Tu

Me Apareceste.

 

Tenho-Te em meu coração.

Para onde quer que eu olhe, alli estás,

Calmo, feliz,

Enchendo o meu mundo –

A corporificação da Verdade.

 

Meu coração é forte,

Minha mente é concentrada,

Estou cheio de Ti.

Como a brisa Oriental,

Que vem súbito ao ser,

E acalma o mundo fatigado

Assim eu realisei.

 

Eu sou a Verdade,

Eu sou a Lei,

Eu sou o Refugio,

Eu sou o Guia,

O Companheiro e o Bem Amado

 

 

 

II

 

Para onde quer que eu olhe, ahi estás,

Calmo e feliz,

Enchendo o meu mundo,

A corporificação da Verdade.

 

Como luz contemplada

No escuro, a’ distancia,

Eu Te vi.

 

Em direcção a Ti eu caminhei

Por muitas vidas,

Na tristeza e no júbilo,

Na dúvida e na suspeita,

Sobre espinhos, por campos adoráveis,

Pelas calçadas de apinhadas cidades

 

Sabia,

Desde o início do mundo,

Da Tua glória,

Da Tua existência,

Da Tua belleza que minhalma fremia,

Jamais em segurança,

Jamais em paz

Commigo mesmo.

Com os homens,

Ou com os céus esplendidos.

E da grande incerteza, a certeza nasceu...

 

Como a brisa Oriental

Que vem súbito ao ser

E acalma o mundo fatigado,

Assim eu realisei.

E d’hoje por deante caminho na Tua sombra.

Por seres meu eterno Companheiro,

Sou forte,

Forte como a torrente

Que jorra na vertente da montanha.

Porque és meu conselheiro,

Eu sou inabalável.

Por Tua causa,

Encho-me de sabedoria.

Por me teres enviado,

Sou como nada, vento passageiro,

Mas porque a mim Te mostraste,

Sou como os rios

Que descem balouçando para o mar.

Por Teu mandado,

O que faço é por Ti.

Meu coração flammeja

Pois que de Ti me approximo

Perpetuamente.

 

Cada alento transforma-me

Na Tua imagem.

 

Pelo que Tu me deste,

Estou cheio,

Cheio como oceano,

Inda que os rios todos

Para elle fluam.

 

Tua majestade despertou

Em mim o poder

Para clamar dos cimos das montanhas

A Tua Verdade

 

Teu olhar requeimou-me

As escorias.

Estou puro.

Estou santo.

Como a rosa para a pétala,

Assim és para mim.

Como o cimo do monte

Se some entre as nuvens,

Assim meu amor por Ti

Desapparece

No espaço.

 

Como as águas balançam no mar illuminado,

Jubilosas e em êxtase,

Assim meu coração

Baila de amor por Ti.

Como a gota de chuva, pequenina,

Se embebe no oceano vasto,

Assim em Ti me perdi.

 

Como as sombras

Na tarde se avolumam,

Assim minhalma

Cresceu immersa

Em Tua Luz.

O meu amor por Ti

Accordou o amor

Por tudo.

 

Quero levar o mundo

A Ti.

Necessito tornar-Te

Seu Companheiro eterno.

Precisam conhecer-Te

Como eu Te conheço –

O perfeito,

O simples,

O glorificado,

A Fonte da Verdade.

 

Conhecendo-Te,

Deixarão para um lado seus brinquedos,

Seus mundos pequeninos, seus joguetes,

Sua pompa,

O emmaranhado

De suas religiões,

Seus ritos,

Suas cerimonias.

 

 

 

 

O que é religião?

O que é culto?

Que são os templos

E os altares

Do mundo?

 

Tu és o termo

De toda tristeza,

De toda alegria,

De todo conhecimento,

De toda busca.

 

E’s a meta de todas as coisas.

Em Ti somente está

A illuminação –

A Felicidade do mundo.

 

Para onde quer que eu olhe, ahi estás,

Calmo, feliz,

Enchendo o meu mundo –

A corporificação da Verdade.

 

Eu sou a Verdade,

Eu sou a Lei,

Eu sou o Refúgio,

Eu sou o Guia,

O companheiro e o Bem Amado.

 

 

 

III

 

Pela dignidade austera da amarella roupagem

Em mim Tu nasceste.

Pela certeza do conhecimento

A mim appareceste.

Pela immensidade da felicidade

A mim Te mostraste.

Pelo silêncio immenso da manhã

Em mim creaste o universo.

Pela luz solar que illumina o mundo

Te me levaste ao cimo da montanha.

 

E em mim Tu nasceste.

 

Sobre a Tua fronte ardia a chamma

Que devora a tristeza,

Toda a dor e angústia.

Teu semblante era a pétala de rosa,

Perfeito, suave, formoso,

Juvenil com a edade de muitos séculos.

Em Tua face vi minha própria face.

Em Teus olhos havia o rir da Juventude,

A delicia da Primavera,

O alegre rejúbilo do mundo.

 

A música de Tua flauta

Arrebatou meu coração.

Em mim nasceu

Um novo e terno regozijo.

O mar de muitas águas

Entrou meu coração:

O borbulhante córrego,

A tempestade ululante,

As coléricas águas,

A brisa aprazível.

Aspiro as flores a Teus pés,

Contemplo a aléa

Onde o mundo transita,

O pó, a vacca,

E o vaqueiro.

 

O aroma da flor sagrada enche o ar,

Ouço os sinos dos templos,

E o riso mundano.

 

As jóias do mundo

Estão em Teus olhos.

 

O mundo chora por Ti

Em sua dança esfuziante e selvagem.

 

O’ Amor,  com tua flauta,

Tu és eu mesmo.

 

O’ Bem Amado,

E’s o êxtase de minhalma

 

 

 

A Ti achei

Pela felicidade de muitas vidas.

 

O’ mundo,

Contemplo em ti a face do meu Bem Amado.

 

IV

 

Em mim se dirigiu, e eu tranquilo fiquei,

Minh’alma e coração ganharam força.

As árvores e a aves escutaram em inopinado silêncio

Houve trovões nos céus,

Depois a paz completa.

 

Eu O vi contemplando-me,

Minha visão ampliou-se,

Viram meus olhos e a mente percebeu.

Meu coração abrangeu todas as coisas,

Visto que um novo amor em mim nasceu.

 

Nova glória inundou-me todo o ser,

Pois caminhava adeante e eu O acompanhava de fronte erguida.

As árvores altíssimas eu via através d’Elle,

Amáveis, com acenos de acolhida,

A folha murcha, o lodo,

A água faiscante e os ramos mortos,

Os pesados cargueiros e os aldeões palrantes perpassavam através d’Elle –

 

Ignorantes e rindo.

Os cães, latindo, através d’Elle, corriam para mim.

Uma choupana tornou-se qual mansão encantada

Com o tecto avermelhado unindo-se ao Sol-Pôr

Era o jardim como um pais de sonho,

Sendo as flores as fadas.

 

Esbatendo-se contra os sombrios céus da tarde

Eu O vi

Em sua glória eterna.

 

Caminhava adeante de mim,

A descer por uma estreita senda,

Sem me perder de vista ao passo que O seguia.

 

Estava á porta de meu quarto,

Passei através d’Elle.

Purificado, com um novo canto em meu coração

Fiquei.

E tenho-O para sempre em frente a mim.

Para onde quer que eu olhe, ahi está.

Todas as coisas eu vejo através d’Elle.

Sua glória encheu-me e despertou tal glória que eu jamais conhecera.

 

E’ de uma eterna paz minha visão

Que tudo glorifica.

Tenh-O ante mim para sempre.

 

 

 

V

 

O sol punha-se,

E eu, no cimo de um monte,

Ia-O vendo descer

Por detraz das montanhas.

 

Em meio a esse irradiar,

Envolto em névoas de amarello

Estavas Tu, sentado.

 

O inteiro céu vastíssimo

Faz pausa p’ra adorar-Te.

O firmamento, as nuvens,

Em veste de amarello,

Eram Teus adorantes,

Teus discípulos.

 

O mundo dos mortaes

Uniu-se á adoração

Num brado de alegria -

E assim os pássaros –

O vale longínquo,

Os passantes vehiculos

Distantes,

O Grillo,

A cigarra,

O vento,

E as árvores.

 

As montanhas negras

Detinham-se

Em sua dança,

Tementes de si próprias,

Do seu potente aspecto.

 

Depois, pleno silêncio –

Todas as coisas a perceberem-Te

Tal qual és.

 

Nesse grande silêncio

Um immenso desejo

Em mim nasceu

De conduzir o mundo a Ti,

A’ Tua perfeição

E á Tua felicidade.

 

Tu és o altar único,

Bem que os homens adorem

Nos altares

De templos múltiplos.

E’ Tua, a única

Verdade imperecível,

Bem que os homens a cubram

De muitos nomes.

 

Eu amo o mundo

E tudo que nelle há,

E o mundo levarei

Para adorar-Te,

Para cultuar-Te,

Pois que a Tua Beleza

E’ Verdade

 

Felicidade immensa

Enche o meu ser,

Pois encontrei

A Ti.

 

Não Te esvahirás,

Ainda que mil soes

Tombem sobre a montanha.

 

Como o Poente

Cresce em esplendor,

De momento a momento,

Mudando sem cessar,

Assim o meu desejo

Por Ti

Cresce mais glorioso,

Mais perfeito.

E encherá

O coração dos homens todos

Até que a Tua perfeição

Seja entendida.

 

Em Teu olhar

Ha um tufão,

E a brisa suave,

O sagrado Himalaya,

A chã planície,

O Valle feliz,

E os céus azues –

Todas as coisas estão em Ti.

 

E’s Tu a felicidade

Do Mundo.

A Senda da Ventura

E’ a Senda da Verdade.

 

VI

 

Oh! Escuta,

E a ti eu cantarei o cântico do meu Bem Amado.

 

Lá onde as vertentes verdes suaves da montanha tranqüila

Se encontram com as águas marulhantes do oceano, rumoroso,

Aonde o borbulhante córrego clama em êxtase,

E as lagunas tranqüilas reflectem os céus calmos,

Ahi te encontrarás com o meu Bem Amado.

 

No alcantil de onde pendem, solitárias, as nuvens

Em busca, na montanha, de repouso;

Na fumaça tranquila que sobe para os céus;

Na aldeia, ao sol-poente;

Nas tênues fimbrias das nuvens que se somem velozes,

Ahi te encontrarás com o meu Bem Amado.

 

Nas copas balouçantes de altíssimos cyprestes,

Entre os rugosos troncos das árvores annosas,

Entre os arbustos tímidos que á terra se engalfinham,

Por entre as trepadeiras que, longas, pendem preguiçosas,

Ahi te encontrarás com o meu Bem Amado.

 

Nos campos de aradura de onde pássaros bulhentos se nutrem,

No caminho sombreado que serpeia ao lado do rio cheio e immovel,

A’s margens onde as águas vêm quebrar-se,

Entre as altas papoulas que brincam de coutinuo com os ventos,

Na árvore morta pelo raio do último verão,

Ahi te encontrarás com o meu Bem Amado.

 

No firmamento azul e calmo,

Onde a terra e os céus se encontram,

No ar sem sopros,

Na manhã carregada de incensos,

Por entre as sombras ricas do meio-dia,

Por entre as sombras longas de uma tarde,

Por entre alegres nuvens radiantes do sol-poente,

Na esteira das águas ao encerrar do dia,

Ahi te encontrarás com o meu Bem Amado.

 

No sombrear das estrellas,

Na profunda tranquilidade das noites escuras,

No reflexo da lua sobre as águas quietas,

No immenso silêncio que precede á alvorada,

Por entre o murmorar das árvores que accordam,

No pio que a ave solta, ao raiar d’alva;

Nos cimos illuminados das montanhas distantes,

Na face somnolenta do mundo,

Ahi te encontrarás com o meu Bem Amado.

Aquietae-vos, ó águas marulhantes,

E escutae a voz do meu Bem Amado.

 

No riso venturoso das creanças

Tu podes escultal-O.

A música da flauta

E’ Sua voz.

O grito solitário de uma ave assustada,

Move teu coração ás lagrimas,

Pois nelle escutas Sua voz.

O rugir do velho oceano

Desperta as recordações

Ao somno acalentadas

Por Sua voz.

A brisa suave que revolve

O cômoro das árvores, indolente,

Ao teu ouvido traz o som

Da Sua voz.

O trovão entre as serras

Enche a tua alma

Com a força

De Sua voz.

No rumor de uma cidade enorme,

Por entre o sibilar dos velozes vehiculos que passam,

No resfolegar de uma locomotiva distante,

Pelas vozes da noite,

No clamor da tristeza,

No brando de alegria,

Na fealdade da cólera,

Chega-te a voz do meu Bem Amado.

 

Nas ilhas azues distantes,

Na suave gota d’orvalho,

Na vaga que se quebra,

No resplendor das águas,

Na asa rápida de um pássaro,

Na folha tenra primaveril,

Ahi verás a face do meu Bem Amado.

 

No templo sagrado,

Nos salões de baile,

Na face santificada do sannyasi,

Nas volutas do ébrio,

No lascivo e no casto,

Ahi Te encontrarás com o meu Bem Amado.

 

Nas campinas floridas,

Nas cidades immundas,

Com o puro e o dessecrado,

Na flor que a divindade esconde,

Ahi está o meu mui Bem Amado.

 

Oh! O oceano

Penetrou meu coração.

Em um dia único

Estou vivendo um cento de verões.

Amigo,

Em ti eu contemplo a minha face,

A face do meu mui Bem Amado.

 

E’ este o cântico de meu amor.

 

VII

 

Qual a chuva lava

O pó da árvore beirante á estrada –

Assim o pó das edades

Em mim foi lavado.

 

Como a árvore scintilla

Ao sol

Após a chuva suave,

Assim minhalma deleita-se

Em Ti.

 

Como a árvore

Espera das raízes

A sua força immensa,

Assim eu contemplo a Ti,

Que és a raiz do meu poder.

 

Como o fumo ascende para o céu

Numa recta columna

Pela tarde tranquila,

Assim cresci eu

Em direcção a Ti.

 

Como a exígua laguna

A’ beira do caminho

Reflecte a face do céu,

Assim meu coração

Reflecte a Tua felicidade.

 

Qual nuvem solitária

Pendurada á montanha

E’ a inveja do Valle,

Assim pendido estive

Geração após geração

Num logar solitário.

 

Qual nuvem gigantesca

Que se apressa

A preceder a rajada poderosa,

Assim descambo eu

Para o valle.

Para o valle

Onde existe a tristeza

E a ventura que passa,

Onde há nascer e morrer,

Onde há sombra e há luz,

 

Onde há lucta e transitória paz,

Onde há conforto e estagnação.

 

Onde pensar é angustiar-se,

Onde sentir é crear tristeza.

A esse valle

Eu descerei,

Pois venci.

Pois em mim

Tu nasceste.

Como a luz vara a escuridão,

Assim Tua Verdade

Penetrará o mundo.

Como chuva que a terra purifica,

E toda a coisa lava nella,

Assim eu lavarei o mundo

Com a Tua Verdade.

Por muitas, eras,

Por muitas vidas,

Me preparei,

Porém agora,

Eis que a taça está cheia.

 

E o mundo della beberá.

O homem crescerá

Para a Tua divindade.

A tua felicidade brilhará

No seu semblamte.

Pois o Teu mensageiro

Vae sahir para o mundo.

Eu sou aquelle

Que descerra o coração humano

E ministra o conforto.

 

Eu sou a Verdade,

Eu sou a Lei,

Eu sou o Refugio,

Eu sou o Guia,

O Companheiro e o Bem Amado.

 

VIII

 

Amigo, fala-me de Deus.

Onde está Elle e por que modo O acharei?

Em que climas e em que moradas?

Fala-me, estou cansado.

 

Lê os Vedas,

Cumpri tapas (especial tipo de austeridade) medita,

Executa ritos e cerimonias,

Pratica auteridades e renuncia,

Ora em Seu templo, entre flores e incensos,

Banha-te nos rios sacros,

Visita os santos lugares,

Sê devoto, de inteligência pura,

Em Kailas está Sua mansão

- alli O encontrarás, clamaram muitos.

 

Obedece a lei,

Refugia-te na Ordem,

Não mates, não roubes, não cometas pecado,

Vai aos altares,

Penetra no Nirvana –

Alli O encontrarás, clamaram muitos.

 

Lê o Livro Santo,

Ora em Suas igrejas – muitas há –

E as Egrejas a Ele hão de levar-te, porém, acautela-te

Serve, sacrifica,

No Céu está Seu trono –

Aí O encontrarás, clamaram muitos

Lê o Livro  único, do único Deus,

Visita sua morada sobre a terra,

Ora em Sua mesquita

Ao por-do-sol adora-O

Bahisht é sua morada –

Ali O encontrarás, clamaram muitos.

 

Trabalha, trabalha pela humanidade,

Serve, serve os teus semelhantes,

Segue esta Senda, mas cuidado nella,

Cumpre a vontade de Deus,

Segue cegamente, pois eu tenho a chave de Sua morada,

Aproveita esta oppotunidade que Elle te offerece,

A tristeza e a dita a Elle levam,

Se isto fizeres tua busca cessará –

E então O encontrarás, brandaram muitos.

 

Cansado estou, extenuado pelo tempo,

E sem caminho algum a Ti cheguei,

A mim Te revelaste por Ti mesmo.

 

Oh! E’s Tu a mó de pedra

Que tritura o arroz na aldeia plácida

Entre cantos e risos.

E’s Tu a imagem esculpida

A que os homens adoram nos templos

Entre cânticos  música solemne.

Tu és a folha morta

Que rola em abandono ao pó da estrada,

Pisada do viajor cansado, e exhausto.

E’s o pinheiro solitário

Que se ergue majestoso

Sobre isolado monte.

 

E’s a creatura, estropeada e exangue,

Que vem á minha porta, de desvairado olhar, com fome,

Que os homens aborrecem.

E’s o elephante hercúleo

Em jaezes de gala,

A conduzir os nobres da terra.

 

E’s o pedinte nu

Que vae de casa em casa,

Fatigado, gemente por esmolas.

E’s o grande da terra,

Rico de posses e livros,

Satisfeito e bem nutrido.

E’s os sarcedotes de todos os templos,

Eruditos, orgulhosos e seguros.

 

E’s o concupiscente, o peccador, o santo e o herético.

 

Meu buscar chega ao fim.

Em Ti contemplo tudo,

Eu próprio sou Deus.

 

 

IX

 

Quanto a rosários – são elles lenho morto.

Banhar-se em santos rios – são águas, nada mais.

O adorar nos templos – mais não são que muraes de pedra nua.

Escrever livros – que são elles senão flores de palavras?

Acaso pensas tu, amigo, em enganar-Me?

Como o lótus habita com as águas,

Assim comtigo eu moro eternamente.

 

Adorna-Me com tuas jóias,

Veste-Me com tuas roupagens,

Nutre-Me com tuas iguarias,

Lisonjeia-Me com tuas glórias.

Acaso pensas tu, amigo, em ludibriar-Me?

Como o lótus habita com as águas,

Assim contigo Eu moro eternamente.

 

Busca a tua ventura nas coisas transitórias,

Persegue as trivalidades que são de tua paixão,

Bebe largo para teu esquecimento,

Expulsa a borboleta flor a flor.

Amigo, e pensas tu brincar Commigo?

Como o lótus habita com as águas,

Assim contigo Eu moro eternamente.

Rica é a sombra de um dia de verão.

 

Nossa jornada finda, amigo.

Em que tu e mais eu nos uniremos.

 

X

 

Qual delicada espira sobe ansiosa para os céus azues,

O’ meu Bem Amado, assim meu coração se arroja para o alto em Tua busca.

Bem como a borboleta saboreia o mel occulto na flor que cedo fana,

O’ meu Bem Amado, assim brinquei Contigo por entre o manifesto –

Mutável, decadente.

 

Por offerendas, esmolas e o erguer de muitos templos,

Busquei firmar-Te.

Qual scintillante gota de orvalho alcandorada aos comoros das árvores,

Acima do mundo,

Para esvahir-se ao sol da manhã,

Assim as minhas grandes bases no reino do que é manifestado

Foram destruídas.

Como as estrellas de uma noite

São para mim as Tuas creações.

Pelo yoga, pelas auteridades,

Vida após vida,

Fui empós Ti por entre as sombras de Tuas manifestações.

Sempre illusivos, sempre incitantes e desapontadores,

Foram p’ra mim Teus lampejos.

 

Porém, meu Bem Amado, meu Amor eterno,

O’ Tu, desejo de meu coração,

Eu Te encontrei no que é immanifesto,

No indestructivel.

Como o arco-íris se esvaece junto ao solo virente,

Assim cessou minha busca entre as flores de Tua creação.

Estás em mim firmado,

Imperecível, ineffavel, eterno.

O’ Bem Amado,

Estás alicerçado no templo do meu coração.

Eu sou o Bem Amado, desejo de todos os corações.

Eu sou o Companheiro que brinca na sombra da creação.

 

XI

 

Pela tarde tranqüila,

Quando a folha se aquieta,

Quando a flor está cansada do dia,

E o botão se regozija no porvir;

Quando as sombras se alongam

E sobe o fumo em columna tranquilla,

E nem alenta o mundo,

Oh! Com a calhandra eu subo

A’ morada do meu Bem Amado.

 

Longe vaguei nos reinos do irreal

Em busca do real.

Muitas nascenças e mortes me tocaram.

Com o passar de um dia único

Muita alegria e tristeza conheci,

Porém Tu me escapavas,

O’ Tu, corporificação da Verdade.

 

A Ti levei toda a minha experiência,

Todas minhas tristezas e alegrias,

De mãos juntas adorei em templos muitos,

Mas, ao acercar-me ansioso, esvahia-se a imagem da Verdade.

 

Amei, e as glórias da terra deleitaram-me.

Enchi-me de saber, gozando a admiração do mundo.

Com as vestes talares revesti-me,

Mas os deuses de minha adoração o miravam-me em silêncio.

 

Como a montanha é para o Valle – distante, desalentador –

Assim foste para mim.

Sempre com Tua face voltada

Foste sempre como estrella – longínqua, irreal.

Tu sempre foste a imagem e eu sempre o adorador.

Homem algum conhecia Tua morada,,

Estavas sempre de longe, phantastico, mysterioso.

Certas vezes um medo immenso me enchia o coração; por vezes grandes esperanças,

Outras vezes completa indifferença e fadiga.

Sem Ti eu era como casca vazia.

 

Como roda de oleiro

Volteava, e volteava,

Consumindo pela acção continua.

A Ti eu conduzia a flor de meu coração,

O grande deleitar de minha mente,

Mas, qual folha morta do outomno

Era eu despedaçado e pisado.

 

Qual árvore no monte

Que cresce em solidão e força,

Assim vida após vida

Crescia eu em estatura e isolamento;

E alcancei o topo da montanha.

 

Até que nas edades,

O’ Gurú dos Gurús,

Rasguei o véu que Te separava de mim,

Esse véu que Te apartava.

 

Agora, ó Bem Amado, Tu e eu somos um.

Como o lótus que torna as águas bellas,

Assim Tu e eu tornamos completa a perfeição da Vida.

 

O’ Gurú,

O Teu Jogo é o meu jogo,

O Teu Amor é o meu amor,

O Teu sorriso encheu meu coração.

Minha obra é Tua creação.

Para mim Te inclinaste, ó Amor,

Qual por Ti me inclinei,

Por edades sem conta.

 

Rasgou-se o véu desta separação,

O’ Bem Amado, Tu e eu somos um.

 

 

 

 

XII

 

Como a folha tremulante se balouça

Com a brisa,

Assim meu coração baila com Teu amor.

Como duas torrente da montanha se entrechocam

Com um rugido,

 Na alegria da sua exultação,

Assim eu Te encontrei, meu Bem Amado.

 

Qual cimo de montanha se illumina

A’ medida que vae o sol descendo,

Deixando ao Valle um immenso desejo,

Assim ao meu ser Tu deste glória.

Como o Valle se aquieta ao vir da tarde,

Assim minhalma acalmaste.

 

Meu coração está cheio

Com o amor de mil annos.

Meus olhos

Contemplam Tua visão.

Como as estrellas embellecem a noite -,

Assim Tu deste belleza á minh’alma.

Sereno qual imagem de sculptura

Eu me tornei.

 

Como cresce a semente e em árvore se torna,

Mansão de muitas aves jubilosas,

Dando plácidas sombras

Ao viajor cansado,

Assim cresceu minh’alma

Em busca de Ti.

 

Qual grande rio que se junta ao mar,

Assim eu vim a Ti,

Tornando rico em minha longa jornada,

Cheio das experiências de uma edade.

O’ Bem Amado,

Como a gota de orvalho

Se junta ao mel

Da flor,

Assim eu e Tu – fizemos um.

 

O’ meu Amado,

Agora já não há separação,

Nem solitude,

Nem tristeza nem luta.

Por onde quer que eu vá,

Levo a glória de Tua presença.

Pois que, ó Bem Amado,

Eu e Tu somos um.

 

XIII

 

Como a corrente mínima

Em sua longa jornada colhe força,

Nutrindo as planícies solitárias e altas árvores pendentes,

Dançando em seu caminho para o mar,

Attingindo a libertação –

Assim entrei em Ti.

 

Longa foi a viagem

Nesta senda sem rota,

Onde cada serpear

Produz música e o som de muitas águas,

Onde cada laguna

Espelha a glória dos céus para estagnar-se,

Onde cada plácido recanto

Se impregna com o odor da decadência.

 

Longamente lutei

Por nadar nessa corrente poderosa;

Muitas vezes, exhausto,

Eu fui arremessado

A’s margens escabrosas do Tempo.

 

Fatigado de toda a experiência,

Nesse mesmo cansaço haurindo forças,

Avancei mais depressa

Para o logar onde as águas abertas se encontravam,

Num rugido,

Com as pequenas torrentes mysteriosas.

 

Livre do Tempo,

Sem a limitação do Espaço,

Tornei-me como a gota de rocio

Que cria os vastos mares.

 

Oh” abre o lótus sua glória ao sol da manhã,

Eu abro meu coração a Ti, ó Bem Amado.

 

XIV

 

Desde que Te encontrei a Ti,

Meu Bem Amado,

Jamais conheci a solidão.

 

Sou estrangeiro

Entre todos os povos,

Em todos os países.

Entre a multidão dos estranhos,

Cheio estou

Como se fosse do aroma do jasmim.

Rodeiam-me,

Eu, porém, não conheço solidão.

 

Choro pelos estranhos;

Quão solitários são.

Cheios de immensas soledade,

Temerosos,

Trazem para junto de si

Gente

Tão isolada como elles.

 

Sou hospede

Neste mundo de coisas transitórias,

Despeiado de seus emaranhados.

Não sou de terra alguma,

Fronteiras não me prendem.

 

Amigo,

Choro por ti.

Tu cavas fundo teu alicerce,

Porém tua casa permanecerá amanhã.

 

O’ amigo,

Vem commigo,

Habita a casa do meu Bem Amado.

Inda que andes sobre a terra,

Sem nada possuíres,

Recebido serás

Como se a primevera foras,

Pois contigo trarás

O Companheiro de todos.

 

O’ amigo,

Vive commigo,

Meu Bem Amado e eu somos um.

 

XV

 

A mim foi dado,

O’ amigo,

Contemplar a face do meu Bem Amado.

 

Seu sorriso

Encheu-me o coração.

Como a água dos rios

Produz constante musica.

O’ amigo,

Assim meu ser exulta

No esplendor de Seu amor.

 

Como alguém que contempla o cimo da montanha

Ao pôr-do-sol,

Radiante e sereno,

Por sobre o mundo em trevas,

O’ amigo,

Assim a visão do meu Bem Amado

Me tornou

Puro e em paz.

 

Como nuvem escura que se eleva

De sobre a face ditosa da montanha,

O’ amigo,

Assim a sombra da vida

Se levantou

Ao aproximar do meu Bem Amado.

 

Como as brumas da aurora

São consumidas pelos quentes raios,

O’ amigo,

Assim meu Bem Amado

Me acolheu,

Dissipando a visão da vacuidade.

 

Como o Valle profundo

Jaz na sombra da grande serrania.

O’ amigo,

Assim repouso eu

Sob a sombra da mão

Do meu mui Bem Amado,

Como a rosa

Entre muitos espinhos,

O’ amigo,

Assim sou eu

Entre as coisas que passam.

 

Como o dia é tornado glorioso

Por contraste com, a treva da noite,

E pela luz diurna,

O’ amigo

Assim fui eu tornado glorioso.

 

Como os rios se enchem

Após as grandes chuvas,

O’ amigo,

Assim meu Bem Amado

Me carregou com Seu amor.

 

As Edades previram esta hora.

Eu encontrei-me com meu Bem Amado.

 

XVI

 

O’ meu Bem Amado,

Tu és Libertação,

O fim de todo o desejo,

A consumação do amor.

 

O’ meu Bem Amado,

Tu és a belleza immarcescivel da Verdade,

E’s a consecução de todo o pensamento,

E’s a flor de toda a devoção.

 

O’ meu Bem Amado,

O’ meu amor.

O Sol está para além das montanhas purpúreas,

E como estrella única,

Eu surgi

Em Tua adoração.

Tu e eu,

Que bem nos encontramos.

O’ meu Amado

Pois não és Tu eu mesmo?

Não és Tu o aroma de meu coração?

 

Eu sou Teu Bem Amado.

Meu Bem Amado és Tu.

E’s Tu meu Companheiro das idades,

Eu sou Tua sombra

No jardim da eternidade.

 

XVII

 

Bem como a divindade jaz oculta numa flor,

Assim meu Bem Amado mora em mim.

Como o trovão demora entre as montanhas,

Assim o meu Amado está dentro em meu coração.

Como grito de pássaro em floresta tranquila,

Assim me encheu a voz do meu Amado.

 

Formoso qual manhã,

Sereno como o luar,

Límpido como o sol,

E’ o meu amor pelo meu Bem Amado.

 

Bem como o sol descende

Entre os montes purpúreos,

Por entre as grandes nuvens

E o murmurar da brisa pelas árvores,

Assim desceu a mim meu Bem Amado,

Para regozijo de meu coração,

Para glória da minha mente.

 

Como por noite escura

O homem se encaminha

Pelas distantes estrelas,

Assim meu Bem Amado guia-me

Sobre as águas da vida

 

Sim, hei visto o meu Amado,

E O descobri situado em meu próprio coração.

Meu Bem Amado contempla por meus olhos,

Pois agora meu Bem Amado e eu somos um.

 

Com Elle eu rio,

Com Elle eu brinco.

 

Esta sombra não é minha.

Pertence ao coração do meu Amado,

Pois agora meu Bem Amado e eu somos um.

 

FIM

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